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A participação social em processos decisórios internacionais: o caso da Rio+20

Por Suhayla Khalil Viana (suhaylakhalil(at)usp.br), doutoranda em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo. Durante o período em que cursou matérias na Sciences Po-Paris, trabalhou no projeto La parole des jeunes à Rio+20, iniciativa da ONG francesa Ligue de L’enseignement e foi enviada ao Rio de Janeiro junto com uma delegação de doze jovens franceses para participar da conferência.

Desde o final da Segunda Guerra, o mundo vem acompanhando a emergência de uma verdadeira estrutura de governança e de diversos regimes internacionais. Na maioria das vezes, a crescente capacidade desse sistema de governança internacional para gerar leis e regulamentos a serem obedecidos por todos os cidadãos acaba por conflitar com a ideia de legitimidade democrática, segundo a qual os cidadãos devem decidir por eles próprios o conteúdo das leis que organizam e regulam sua associação política. Apartando o processo de confecção de normas das instituições politicamente responsáveis, a governança global é acusada de sofrer um massivo déficit democrático.

Mas, se é preciso democratizar o processo decisório e legislativo internacional, fato é que ainda não existe um consenso sobre quais seriam os representantes legítimos da sociedade civil internacional. Integrantes da sociedade civil organizada têm sido vistos como tais representantes legítimos. Seriam estes organizações não governamentais, sindicatos, organizações juvenis, associações de moradores, etc. Assim, esses atores teriam primordialmente três funções. Primeiro, monitorar o processo decisório em instituições internacionais. Segundo, conceder poder político a grupos marginalizados, de forma a que estes possam igualmente aceder à política global. Por último, garantir a transparência e o acesso a informações, por parte do grande público, sobre o que está sendo debatido e decidido dentro dos organismos multilaterais. Além de identificar os atores legítimos, outro desafio que se impõe diz respeito à forma de canalização dessa atuação social dentro do processo de decisão. Seria suficiente criar fóruns deliberativos nos quais os grupos da sociedade civil manifestassem sua opinião e debatessem cooperativamente temas da agenda internacional? Essa interação entre atores sociais e organizações internacionais poderia, por si só, garantir que os primeiros atinjam necessariamente o poder de influenciar o resultado político?

A Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, constituiu um interessante laboratório para essas questões. De um lado, a Cúpula dos Povos, organizada pelos representantes da sociedade civil, teve lugar no Aterro do Flamengo, área central do Rio de Janeiro. Do outro, em um ponto afastado do centro da cidade, no Rio Centro, em Jacarepaguá, a Conferência. Dificuldades logísticas à parte, e para aprofundar ainda mais o problema de acesso e atuação da sociedade civil durante a Rio+20, o que se viu na conferência foi um processo de negociação desenhado de forma fechada e conduzido exclusivamente por delegações diplomáticas. As negociações foram encerradas antes mesmo da chegada dos chefes de Estado ao evento. É preciso reconhecer que foram criadas atividades para a participação de atores sociais no próprio Rio Centro, como os “Side Events”, espaço onde foram promovidos debates sobre diversos temas relevantes para o desenvolvimento sustentável, como a economia verde, a cooperação para o desenvolvimento e a questão dos recursos naturais. Ou ainda os Diálogos, reuniões temáticas preparatórias para a conferência, em que foram votadas, pela sociedade civil, proposições com o objetivo de incorporá-las ao documento final da Rio+20. No entanto, ambas iniciativas estiveram desconectadas das negociações e não produziram, de fato, propostas que integrassem a declaração final.

Além disso, in loco também se esbarrou em uma outra questão: a legitimidade dos atores sociais. Como já mencionado, os integrantes da sociedade civil organizada vêm sendo considerados os representantes legítimos da sociedade internacional. De fato, diversas organizações e associações vêm desenvolvendo um inequívoco e proveitoso trabalho na área de desenvolvimento sustentável. Entretanto, um dos problemas é que tais organizações são provenientes de um pequeno número de países, em geral aqueles com maior tradição de participação social também em âmbito nacional. Outro ponto é que são países quase que exclusivamente do Norte. Chamou a atenção, durante a conferência, a ausência de ONGs sediadas em países africanos, por exemplo. Em tempos de “Binta and the Great Idea” e de discussão sobre modelos de desenvolvimento aplicáveis, é preciso igualmente dar voz direta às sociedades civis de países de menor renda e ouvir suas prioridades e anseios em matéria de desenvolvimento sustentável, mesmo que isso implique em repensar formas de financiar o seu comparecimento. Um risco que igualmente se corre é o da elitização da participação social, uma vez que a maior parte dos representantes dessas organizações são indivíduos com alto nível de escolaridade e renda mais elevada. Nesse sentido, a participação da sociedade civil tem sido estimulada, mas sem a preocupação em garantir que ela se dê de forma igualitária. Seria necessário pluralizar o diálogo.

Por fim, embora os atores não governamentais tenham, em certa medida, atingido seus objetivos de monitorar o processo de decisão e garantir alguma transparência sobre o conteúdo do debate, a Rio+20 demonstrou claramente que as iniciativas propostas pelas Nações Unidas para a participação da sociedade civil em conferências internacionais estão muito distantes de significar a existência de qualquer impacto no resultado político. Não por acaso, diversos representantes sociais presentes pediram a retirada dos termos “com a ampla participação da sociedade civil” contidos na declaração final da conferência. Assim, apesar de que seja válida a promoção do debate entre organizações provenientes de diversas partes do mundo, no sentido de gerar ideias e argumentos compartilhados e, dessa forma, uma esfera pública global, é preciso refletir mais profundamente e clarificar o papel que desejamos que estes atores desempenhem em instituições internacionais. Por enquanto, o que se vê é a busca de organizações internacionais por legitimar o resultado político de seus processos decisórios através da construção de um discurso da participação popular, mas sem conceder nenhum poder de decisão a tais atores na prática. Ao mesmo tempo, se a opção for por equalizar discurso e prática, conferindo efetivamente maior poder aos agentes sociais, resta ainda um longo caminho pela frente e algumas perguntas devem ser respondidas, entre elas: quem deve participar? Como deve se dar esse processo participativo? Como garantir uma participação igualitária entre os diversos atores?